Vitamina para a alma
DANIELA ARFELI
Era setembro, e já sentia o perfume encantador das flores. A primavera recheava meus dias com aromas
angelicais. Ouvia o sussurro aveludado da ressurreição do amor. E foi em uma
das noites dessa estação tão esperada, que me deparei com a força da virtude
altruísta.
Tudo estava tranquilo. Eu seguia com meu trabalho pedagógico na escola:
orientação aos docentes, produção de relatórios, acompanhamento das aulas. No
entanto, a professora de Língua Portuguesa me fez um pedido diferenciado - doar
um par de tênis que ela havia trazido a um aluno.
Gesto simples. Fui correndo presentear o jovem. Naquele momento, percebi
que ele precisava de um calçado muito mais do que eu imaginava – calçava
chinelos bem surrados. Com um sorriso largo no rosto, entreguei o tênis e
insisti para que ele o experimentasse ali mesmo.
Mas ele se recusava. Olhava para o tênis branquinho como se fosse algo
inalcançável. Após tanta insistência, ele explicou:
— Eu não posso experimentá-lo. Não tenho meias e meus pés estão muito
sujos.
Aquelas palavras tocaram meu coração. Ele não recusava o presente por
capricho. Recusava porque, para ele, aquele tênis não era apenas um calçado.
Era dignidade. E ele não queria manchá-lo com a sujeira dos seus pés. Foi nesse
momento que entendi - o tênis representava algo muito maior.
Antes que eu pudesse responder, propor uma solução plausível, um outro
aluno, que o acompanhava, tirou suas botas e, com a mesma naturalidade de um
vento suave que toca as flores da primavera, estendeu suas próprias meias ao
colega.
— Aqui, pode usar as minhas.
Fiquei parada, mas meu coração aqueceu. Aquela ação que parecia tão
simples trazia uma grande quantidade de significados. Vi nos olhos dos dois
estudantes algo que palavras não poderiam expressar. Ali, estava o verdadeiro
sentido de amar ao próximo: não com discursos elaborados, mas com atos que são
vitamina para a alma.
O jovem aceitou as meias com um sorriso tímido. E, naquele ato de troca
silenciosa, eu saboreava a essência da floração do amor ágape. A primavera
estava ali, mas não apenas nas flores ao redor – estava na fecundação sagrada
da vida.
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