quarta-feira, 11 de setembro de 2024

CRONICA - VITAMINA PARA A ALMA


Vitamina para a alma

DANIELA ARFELI

Era setembro, e já sentia o perfume encantador das flores.  A primavera recheava meus dias com aromas angelicais. Ouvia o sussurro aveludado da ressurreição do amor. E foi em uma das noites dessa estação tão esperada, que me deparei com a força da virtude altruísta.

Tudo estava tranquilo. Eu seguia com meu trabalho pedagógico na escola: orientação aos docentes, produção de relatórios, acompanhamento das aulas. No entanto, a professora de Língua Portuguesa me fez um pedido diferenciado - doar um par de tênis que ela havia trazido a um aluno.

Gesto simples. Fui correndo presentear o jovem. Naquele momento, percebi que ele precisava de um calçado muito mais do que eu imaginava – calçava chinelos bem surrados. Com um sorriso largo no rosto, entreguei o tênis e insisti para que ele o experimentasse ali mesmo.

Mas ele se recusava. Olhava para o tênis branquinho como se fosse algo inalcançável. Após tanta insistência, ele explicou:

— Eu não posso experimentá-lo. Não tenho meias e meus pés estão muito sujos.

Aquelas palavras tocaram meu coração. Ele não recusava o presente por capricho. Recusava porque, para ele, aquele tênis não era apenas um calçado. Era dignidade. E ele não queria manchá-lo com a sujeira dos seus pés. Foi nesse momento que entendi - o tênis representava algo muito maior.

Antes que eu pudesse responder, propor uma solução plausível, um outro aluno, que o acompanhava, tirou suas botas e, com a mesma naturalidade de um vento suave que toca as flores da primavera, estendeu suas próprias meias ao colega.

— Aqui, pode usar as minhas.

Fiquei parada, mas meu coração aqueceu. Aquela ação que parecia tão simples trazia uma grande quantidade de significados. Vi nos olhos dos dois estudantes algo que palavras não poderiam expressar. Ali, estava o verdadeiro sentido de amar ao próximo: não com discursos elaborados, mas com atos que são vitamina para a alma.

O jovem aceitou as meias com um sorriso tímido. E, naquele ato de troca silenciosa, eu saboreava a essência da floração do amor ágape. A primavera estava ali, mas não apenas nas flores ao redor – estava na fecundação sagrada da vida. 

 

 

 

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