Daniela
Arfelli
Vivia tranquilo debaixo das sombras
de meus manguezais e respirava os verdes perfumes dos eucaliptos. Meus olhos
fitavam o cheiro de amor e a satisfação quente de uma manhã de sol. Eu e minha
esposa gozávamos de enorme similaridade, mesmo após quarenta e quatro anos de
eterna união. Era minha companheira inseparável, cuidávamos da nossa
propriedade rural; juntos fazíamos os inúmeros trabalhos campesinos,
principalmente na ordenha leiteira. A vida seguia saborosa como a alegria das
sete cores do arco-íris.
Ida acordava pontualmente, os setes
dias da semana, às 4:00 horas da manhã, o cheiro macio do café e as palavras de
imensa doçura da minha esposa eram meu despertador. Como um ritual, escolhia
minha roupa, calçava meus sapatos, ajeitava minha cinta. Após todo o
cuidado comigo, íamos ao curral e começávamos a tanger as vacas para o milagre
branco jorrar como enxurrada e ser bebido todos os dias. A rotina repetia-se.
De repente uma grande ventania
assolou nossa vida. Em meados de março, numa madrugada com céu enfumaçado,
cheia de nuvens negras; o sol esfriou e a dor acinzentou. O curral ficou
manchado de sangue... Não esperava passar por dolorosa situação.
Nada mais a fazer. Dor
após dor despencava. Sentia minuto a minuto fagulhas me consumindo. Estava
dentro do estábulo e, senti a dor do chifre.
- Não, não pode ser! Não, meu Deus! –
ouvi ecos da escuridão daquela triste manhã.
Que dor! Estremeço ao recordar; tento
esquecer, mas é impossível! A mais zelada, e amável das vacas, ligeiramente,
ergueu a cabeça quando eu ainda a amarrava e, estupidamente o chifre atingiu
meu olho. Não... não foi traição, ela jamais me trairia. Fez sem imaginar a
crueldade, na pura inocência me feriu.
Tudo escureceu... A dor rasgou meus
sentidos, corrompeu meu ser, senti meu olho esquerdo diluindo.
Ah, vaga lembrança que ainda perfura
meus sonhos, aniquila meus sentidos. Sinto ainda o grito deformar minha
infinita alegria. Após três dias de internação o oftalmo rasgou minhas
esperanças quando declarou que a minha retina havia deslocado e meu nervo
óptico rompido.
- Nenhuma esperança, doutor? Que tipo
de cirurgia posso fazer para recuperar minha visão?
-Infelizmente não é possível rever o
quadro - respondeu com tamanha secura e exatidão -. Para rompimento de nervo
óptico, nada pode ser feito! É irreversível.
Como viver com esta triste
constatação? A minha visão havia morrido e levado junto, as últimas esperanças.
Reflexões, conselhos, visitas, mais visitas. Estava sem rumo. O que fazer?
Deus fez a natureza silenciosa e
produtiva. As plantas crescem no silêncio. Meus eucaliptos cresceram sem fazer
barulho. E neste silêncio aprendi a contemplar as maravilhas de Deus: o
mistério da borboleta que deixa o casulo.
Tudo acontece no silêncio. E, foi neste
silencio que aprendi a viver sem enxergar com meu olho esquerdo, aprendi que
poderia ter sido pior se o chifre fosse mais fino e comprido. No silêncio
aprendi a ouvir a voz de Deus que tocou profundamente meu coração. Aprendi a
ver o lado bom e verdadeiro do amor, o olhar de cumplicidade da minha esposa,
compreendi que companheirismo de minha família é o principal passaporte para a
felicidade.
Aprendi tudo no silêncio, sempre no silêncio...
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