O
encanto inocente da indiazinha
Daniela
Arfelli
Numa tarde longa, de imenso
calor de dezembro, minha casa foi convidada a abrir as portas aos índios. Sim índios! Não era 19 de abril, não comemorávamos a data criada pelo decreto
5.540 de 1943, pelo presidente Getúlio Vargas. Também não morava próxima de uma tribo
indígena, porém apareceram sem hora marca, sem convite. Lá estavam em frente de
minha residência duas meninas índias,
tentavam me influenciar para o consumismo, ofereceram com poder de venda
cestos artesanais. Mas respondi com voz serena: “Não, obrigada!”
Como tudo muda, para os
índios também não é diferente. O artesanato é hoje um dos meios de
sobrevivência de muitas famílias indígenas, diferente do que aprendi na
infância: índios vivem em aldeias, sobrevivem de caça e pesca. Todavia, com a
proximidade do Natal, os índios do grupo Caingangues aproveitaram para vender
artesanatos produzidos nas aldeias em nossa cidade.
Após exatos dez minutos fui
novamente interceptada pelas índias, garotas que aparentavam ter entre onze e
doze anos. Agora para minha surpresa traziam mais um SER: uma bela
indiazinha, bebê com olhar cheio de luz e brilho que realmente enlouqueceu
literalmente todos os moradores do nosso lar.
- Precisamos dar um banho
nela! – disse uma das meninas índias.
- Nossa, com todo prazer –
respondi prontamente. Meu coração saltitava de infinita alegria ao ver aquele
ser tão indefeso, olhando intensamente para mim de maneira tão afável.
Minha irmã não conseguiu
guardar e aguardar aquele estado de graça, saiu apressadamente para abraçar o
banho da indiazinha. “Vamos cuidar disso, já”!
Eu saí correndo, alarmando a
vizinhança, chamando minha cunhada:
- Ajude-me, preciso comprar
uma roupa para a minha mais nova hóspede. Quero deixá-la fofa!
O amor philia entrelaçava laços de
ávida alegria. Nosso lar exalava o cheiro de vida nova. De repente a metamorfose aconteceu. A indiazinha estava belíssima com uma roupinha cor de
rosa, tinha cheiro de bebê cuidado. Mas, com cinco meses de vida, as faces já demonstravam o rosto cheio de sofrimento, as marcas do
sol da severa e dura vida de retirante!
Algo inédito aconteceu: a
índia mãe apareceu em nossa casa. Chegou com olhar cansado, melancólico e
desesperançoso. Pediu imediatamente um medicamento para dor. Tremia de frio,
seu corpo e sua vida eram gelados. Falava na língua indígena com as garotas e
conosco em português. E, por mais inacreditável que pareça fez a implacável pergunta:
- Vocês querem minha filha? O pai morreu e eu fiquei sozinha com ela.
- Vocês querem minha filha? O pai morreu e eu fiquei sozinha com ela.
E agora, que difícil
decisão... Estávamos totalmente apaixonadas por aquela pequena. Meu coração
acelerou, disparava cada vez mais quando olhava nos olhos daquele ser tão
indefeso e cheio de ternura. A minha irmã mais nova também contemplava a beleza
da indiazinha e a acolhia com muita brandura e amor no seu colo.
O que fazer? Será que a
minha hora de ser mãe havia chegado? O que fazer com a indiazinha?
É, como tudo tem um, porém,
e sempre tem alguém de juízo em casa,
aliás, é preciso realmente ter. De
maneira aprazível minha irmã gêmea argumentou:
- Não.... Não... não podemos
ficar com ela! A senhora é a mãe, a pessoa mais indicada para ficar com esta
criança. Ame-a! Deus a guiará e conseguirá cuidar muito bem de sua filhinha!
Sonhava em ter a ternura
daquele bebê, contudo foi embora como a fumaça ao vento. Grande ensinamento foi aprendido: é
preciso pensar nas palavras ditas; as palavras são água profunda, devem ser
fonte de sabedoria. Cada escolha é uma forma de semente lançada sobre o
canteiro. Tudo que plantamos no silêncio será visto de longe. Ame, cuide e
abençoe seu filho mesmo no holocausto. Fique atento às trilhas onde coloca os
pés, seja firme em seus caminhos e tudo conseguirá.
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