quinta-feira, 15 de junho de 2017

A sorte de Maria

Maria era excessivamente pensativa, ficava horas e horas refletindo sobre a vida, o que fazer, como fazer, qual seria seu melhor comportamento; chegava até a ferver o cérebro de tanto imaginação. Não tinha nenhuma vaidade, usava roupas simples e discretas, cabelos sempre presos e batom era raro usar.
Os pensamentos eram somente negativos, pensava que tudo poderia dar errado. Tinha medo de todos e de tudo. Medo de dirigir, pegar carona na garupa de uma moto. Bicicleta nem pensar, ônibus sentia-se sufocada e tinha muita falta de ar. Então, o jeito era ir ao trabalho a pé, tinha inúmeros guarda-sóis e guarda-chuvas.
Trabalhava por trabalhar, não tinha projeto de vida, exercia sua função como quem faz arroz e feijão todos os dias, não acrescentava nenhum ingrediente. Era aquilo e mais nada. Trabalhava no setor de limpeza ILLEROM LTDA, fábrica de calçados em Pacaembu, pequena cidade da Nova Alta Paulista.
Aos poucos, as pessoas ao seu redor foram se afastando e correndo dela. No trabalho quando chegava, todos cochichavam baixinho “lá vem a Maria Doida”, vamos correr enquanto temos tempo.
A vida seguia seu percurso e Maria foi ficando pelos cantos: solitária, desiludida, ansiosa e sem nenhum entusiasmo. Era excluída de todas as conversas, presentes e confraternizações da fábrica.
A solidão virou doença, ia ao médico, fazia todos os exames, no entanto o exame físico não demonstrava nada.  Ela não se conformava, como podia não ter dado nada, se doía todo o seu corpo. Já não dormia mais, seus olhos ficavam cheios de olheiras. Apresentava rosto pálido e muito cansado.
Sexta-feira à tarde, quando ela saia, toda tonta e atrapalhada do trabalho foi atropelada por uma carroça, deu de frente com o burro de Seu Pedro, testemunhas confirmaram que a carroça estava em alta velocidade. Maria ficou toda machucada, sangrando e chorava desesperadamente até chegar a ambulância.
Seu Pedro ficou muito chateado, apavorado quase sem voz a acompanhou na ambulância para saber exatamente o estado da quarentona, enquanto alguns amigos recolheram as frutas que trazia à cidade para vender, o chapéu, o burro e a carroça.
Após o atendimento, saiu Seu Pedro sozinho porque Maria ficou internada. Quebrou a perna esquerda e o braço direito. Coitada!!!
No outro dia, na hora da visita, lá estava Seu Pedro com as frutas e o doce de abóbora, porque Maria não tinha parentes na cidade e nem amigos.
Segunda-feira, Maria teve alta e foi direto para o sítio de Seu Pedro e de lá nunca mais voltou para trabalhar na fábrica. As fofoqueiras da cidade comentaram que ela sarou, está gorda e vive cantarolando em cima da carroça, ajudando Seu Pedro a vender frutas. Algumas juram que viram os dois se beijando.

Um comentário:

  1. AMEI O TEXTO, MUITO ENGRAÇADO E AO MESMO TEMPO UMA LIÇÃO DE VIDA. PARABÉNS, ESCRITORA DENIZE!

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