Flor do dia
Vivia tranquilo
nas sombras de meus manguezais e dos verdes perfumes dos eucaliptos. Meus olhos
fitavam o cheiro de amor e a satisfação quente de uma manhã de sol. Eu e minha
esposa gozávamos de enorme similaridade, mesmo após quarenta e quatro anos de
eterna união. Era minha companheira inseparável, cuidávamos da nossa
propriedade rural; amávamos realizar juntos os inúmeros trabalhos campesinos,
principalmente na ordenha leiteira. A vida seguia saborosa como a alegria das
sete cores do arco-íris.
Rosalina, acordava
pontualmente, os setes dias da semana, às 4:00 horas da manhã, o cheiro macio
do café e as palavras de imensa doçura da minha esposa eram meu despertador. Como
um ritual, escolhia minha roupa, calçava meus sapatos, ajeitava minha cinta. Após todo o cuidado comigo, íamos ao curral e
começávamos a tanger as vacas para o milagre branco jorrar como enxurrada e ser
bebido todos os dias. A rotina repetia-se.
De repente uma
grande ventania assolou nossa vida. Em meados de março, numa madrugada com céu
enfumaçado, cheia de nuvens negras; o sol esfriou e a dor acinzentou. O curral ficou
manchado de sangue... Não esperava passar por dolorosa situação.
Nada mais a fazer. Dor após dor despencava. Sentia minuto a
minuto fagulhas me consumindo. Estava dentro do estábulo e, senti a dor do
chifre.
- Não, não pode
ser! Não, meu Deus! – ouvi ecos da escuridão daquela triste manhã.
Que dor! Estremeço
ao recordar; tento esquecer, mas é impossível! A mais zelada, e amável das vacas,
ligeiramente, ergueu a cabeça quando eu ainda a amarrava e estupidamente o chifre
atingiu meu olho. Não... não foi traição, ela jamais me trairia. Fez sem
imaginar a crueldade, na pura inocência me feriu.
Tudo
escureceu... A dor rasgou meus sentidos, corrompeu meu ser, senti meu olho esquerdo
diluindo.
Ah, vaga
lembrança que ainda perfura meus sonhos, aniquila meus sentidos. Sinto ainda o
grito deformar minha infinita alegria quando o oftalmo após três dias de
internação rasgou minhas esperanças ao declarar que a retina havia deslocado e
meu nervo óptico rompido.
- Nenhuma
esperança, doutor? Que tipo de cirurgia posso fazer para recuperar minha visão?
-Infelizmente
não - respondeu com tamanha secura e exatidão -. Para rompimento de nervo
óptico, nada pode ser feito! É irreversível.
Como viver com
esta triste constatação? A minha visão havia morrido e levado junto, as últimas
esperanças. Reflexões, conselhos, visitas, mais visitas. Estava sem rumo. O que
fazer?
Deus fez a natureza
silenciosa e produtiva. As plantas crescem no silêncio. Meus eucaliptos crescem
sem fazer barulho. E neste silêncio aprendi a contemplar as maravilhas de Deus:
o mistério da borboleta que deixa o casulo, as frutas amadurecem. Tudo acontece
no silêncio. Foi neste silencio que aprendi a viver sem enxergar com meu olho
esquerdo, aprendi que poderia ter sido pior se o chifre fosse mais fino e
comprido. No silêncio aprendi a ouvir a voz de Deus que tocou profundamente meu
coração. Aprendi a ver o lado bom e verdadeiro, o olhar de cumplicidade da
minha esposa. Meu passaporte para a felicidade, e o companheirismo de minha
família. No silêncio, sempre no silêncio