quarta-feira, 13 de maio de 2015

A dor do chifre


Flor do dia
Vivia tranquilo nas sombras de meus manguezais e dos verdes perfumes dos eucaliptos. Meus olhos fitavam o cheiro de amor e a satisfação quente de uma manhã de sol. Eu e minha esposa gozávamos de enorme similaridade, mesmo após quarenta e quatro anos de eterna união. Era minha companheira inseparável, cuidávamos da nossa propriedade rural; amávamos realizar juntos os inúmeros trabalhos campesinos, principalmente na ordenha leiteira. A vida seguia saborosa como a alegria das sete cores do arco-íris.
Rosalina, acordava pontualmente, os setes dias da semana, às 4:00 horas da manhã, o cheiro macio do café e as palavras de imensa doçura da minha esposa eram meu despertador. Como um ritual, escolhia minha roupa, calçava meus sapatos, ajeitava minha cinta.  Após todo o cuidado comigo, íamos ao curral e começávamos a tanger as vacas para o milagre branco jorrar como enxurrada e ser bebido todos os dias. A rotina repetia-se.
De repente uma grande ventania assolou nossa vida. Em meados de março, numa madrugada com céu enfumaçado, cheia de nuvens negras; o sol esfriou e a dor acinzentou. O curral ficou manchado de sangue... Não esperava passar por dolorosa situação.
 Nada mais a fazer.  Dor após dor despencava. Sentia minuto a minuto fagulhas me consumindo. Estava dentro do estábulo e, senti a dor do chifre.
- Não, não pode ser! Não, meu Deus! – ouvi ecos da escuridão daquela triste manhã.
Que dor! Estremeço ao recordar; tento esquecer, mas é impossível! A mais zelada, e amável das vacas, ligeiramente, ergueu a cabeça quando eu ainda a amarrava e estupidamente o chifre atingiu meu olho. Não... não foi traição, ela jamais me trairia. Fez sem imaginar a crueldade, na pura inocência me feriu.
Tudo escureceu... A dor rasgou meus sentidos, corrompeu meu ser, senti meu olho esquerdo diluindo.
Ah, vaga lembrança que ainda perfura meus sonhos, aniquila meus sentidos. Sinto ainda o grito deformar minha infinita alegria quando o oftalmo após três dias de internação rasgou minhas esperanças ao declarar que a retina havia deslocado e meu nervo óptico rompido.
- Nenhuma esperança, doutor? Que tipo de cirurgia posso fazer para recuperar minha visão?
-Infelizmente não - respondeu com tamanha secura e exatidão -. Para rompimento de nervo óptico, nada pode ser feito! É irreversível.
Como viver com esta triste constatação? A minha visão havia morrido e levado junto, as últimas esperanças. Reflexões, conselhos, visitas, mais visitas. Estava sem rumo. O que fazer?
Deus fez a natureza silenciosa e produtiva. As plantas crescem no silêncio. Meus eucaliptos crescem sem fazer barulho. E neste silêncio aprendi a contemplar as maravilhas de Deus: o mistério da borboleta que deixa o casulo, as frutas amadurecem. Tudo acontece no silêncio. Foi neste silencio que aprendi a viver sem enxergar com meu olho esquerdo, aprendi que poderia ter sido pior se o chifre fosse mais fino e comprido. No silêncio aprendi a ouvir a voz de Deus que tocou profundamente meu coração. Aprendi a ver o lado bom e verdadeiro, o olhar de cumplicidade da minha esposa. Meu passaporte para a felicidade, e o companheirismo de minha família. No silêncio, sempre no silêncio

Crônica - A magia do abraço




Moretti

Contemplo uma terça-feira de sol, observo uma família bem sapeca se despedindo para iniciar mais uma jornada de trabalho. O pai abraça os dois filhos juntos. Eles dão saudáveis e maravilhosas gargalhadas. A esposa pula no pescoço do marido e sussurra “Você é meu lindo Moretti”, os filhos agarram e abraçam o cachorrinho Lulu e a bela gata Chaine. Todos vibram o calor do amor e acalentam os corações.
Ai que inveja senti naquele momento daquela família! Eles sim sabem abraçar... Se presenteiam, tem a magia da troca e carinho, doam felicidade, fazem espetáculos exibindo muita vontade de viver.
Os abraços foram deliciosos como meu café: quente, doce, feito sem programação e exigência. Fiquei imaginando como essa família é feliz e qual seria o motivo de tanta alegria...
Quando o espetáculo terminou – os fortes e calorosos abraços. Corri para casa, comecei a pesquisar sobre a importância do abraço. Li vários documentários, assisti vídeos para descobrir os verdadeiros motivos daquela família tanto abraçar e serem abençoados.
De tudo que li, me marcou as palavras do psiquiatra da Universidade de Kansas dos EUA, Dr. Harold Voth, ele afirma que o abraço é o melhor tratamento para a depressão. Puxa vida, foi um estouro para mim, tomava Fluoxetina, Diazepam, e tudo para dormir e ficar calma. Depois fiquei impressionada com a Dra. Helen Colton que reforça a ideia com esse pensamento: “quando a pessoa é tocada a quantidade de hemoglobina no sangue aumenta significativamente. Hemoglobina é a parte do sangue que leva o suprimento vital de oxigênio para todos os órgãos do corpo, incluindo coração e cérebro. O aumento de hemoglobina ativa todo o corpo, auxilia a prevenir doenças e acelera a recuperação do organismo, no caso de alguma enfermidade”.
 Nossa, fiquei em choque! Pensei a manhã inteira o que estava fazendo da minha vida, quantas das minhas dores seriam curadas se sentisse um mágico e saboroso abraço? Meu coração começou a sussurrar “abrace, abrace e abrace...”
Fechei a porta com pressa e sai desesperada com o pensamento: “vou abraçar o primeiro que aparecer”. Foi assim que encontrei o gordo, nosso amado padeiro, abracei tão forte que seu Manoel quase levou um tombo, mas quando ele estava se soltando o agarrei com mais voracidade, agora consegui. E para meu espanto seu Manoel com toda sua simplicidade disse “Nossa, que bom! Estava precisando de um abraço, lembrei de minha filha que está tão longe”!
A partir daquele momento, senti alegria e paz. Descobri o poder do abraço, reconheci seu valor. Senti necessidade de abraçar mais, de aquecer minha alma, sair do pessimismo, fortificar meus relacionamentos e distribuir amor.
Até mudei de nome, todos do meu bairro me chamam de Mulher Abraço, por onde passo, começo a abraçar. Já cheguei a dar duzentos abraços em um único dia, quanto mais abraço, mas tenho vontade.  Abraçar é mágico, é incalculável seus benefícios.  Por que relutar? Abrace agora!



Moretti